GASTRONOMIA

Pela defesa do ato de comer, chefs oferecem pratos com itens descartados

Ação coletiva se opõe à tentativa da prefeitura de criar um alimento ultraprocessado para destinar às populações carentes

Publicado às 9h

Folha de SP

“O prazer de comer, nós o temos em comum com os animais; supõe apenas a fome e o que é preciso para satisfazê-la. O prazer da mesa é próprio da espécie humana; supõe preparos preliminares como o da refeição, a escolha do local e a reunião dos convidados”, escreveu o pensador francês Brillat-Savarin (1755-1826) em seu “A Fisiologia do Gosto”.

Pois bem. Unidos por um eixo comum -de que comer pressupõe um ato público, de que a gastronomia é um dos mais importantes vínculos da sociedade e de que comida não é tão somente um conjunto de nutrientes ligados à subsistência-, ativistas do setor da alimentação lançaram um manifesto, assinado por chefs como Alex Atala e Paola Carosella, e promovem, nesta quinta (16), o Banquetaço, com o mesmo propósito.

Na ação coletiva, que se opõe à tentativa da prefeitura de criar um alimento ultraprocessado para destinar às populações carentes, uma mesa será montada em frente ao Theatro Municipal, no centro da cidade.

“É uma demonstração prática de como é possível produzir uma alimentação de qualidade, de baixo custo, inclusive com matérias-primas descartadas”, diz o sociólogo Carlos Alberto Dória, que participa da organização do ato.

SEGURANÇA ALIMENTAR

Sobre a mesa, serão servidas 2.000 refeições feitas por chefs como Mara Salles (Tordesilhas), Marcelo Corrêa Bastos (Jiquitaia) e Bel Coelho (Clandestino) apenas com alimentos salvos do descarte.

São itens recolhidos pelo Disco Xepa -campanha do movimento Slow Food que coleta sobras de comida em feiras e mercados-, itens oferecidos por agricultores familiares e outras doações de embutidos e laticínios que perderam o valor comercial e cuja tendência seria ir para o lixo.

“Ações como essa são a base da democracia direta”, diz Fabiana Sanches, ativista do Slow Food há dez anos.

“O Banquetaço é a convergência de todas as causas da segurança alimentar, é o combate do desperdício com comida de verdade, que pressupõe ingredientes in natura, minimamente processados e envolve o ato de cozinhar.”

O ato de cozinhar, inclusive, é alçado como uma das nossas grandes revoluções pelo historiador britânico Felipe Fernández-Armesto.

“A cultura começou quando o que era cru foi cozido.” Não é só uma forma de preparar o alimento, diz ele em seu “Comida – Uma História”, mas também “uma maneira de organizar a sociedade”.

Para a cozinheira Mara Salles, que deve preparar para o Banquetaço elementos como arroz, feijão e farinha, “o calor humano, o carinho, a comida como gesto, tudo isso está sempre embutido nos valores do cozimento”.

Palavras que evocam, aliás, uma crônica clássica da escritora Nina Horta, na qual ela verbaliza a “comida de alma”, “aquela que consola, que escorre garganta abaixo quase sem precisar ser mastigada, na hora de dor, depressão, de tristeza pequena”.

FARINATA

Mara, que busca o aproveitamento total dos ingredientes em seu Tordesilhas, diz que comer algo que não se sabe o que é “extrapola tudo o que podemos supor sobre alimentação”.

Ela se refere à farinata, o produto ultraprocessado que o prefeito João Doria (PSDB) incluiu em projeto de combate à fome na capital.

O raciocínio também se aplica ao soylent, um pó que reúne nutrientes fundamentais para a sobrevivência humana e que promete substituir as refeições.

Esse tipo de produto fere brutalmente os 12 mandamentos da comida, conjunto de preceitos elencados pelo jornalista norte-americano Michael Pollan, rebelde da atual cultura gastronômica.

Ele sugere, por exemplo, que não se coma “nada que sua avó não reconhecesse como comida”.

Hoje, porém, com o desenvolvimento de um pensamento que abstrai as formas culturais de comer, o nutriente passa a substituir o alimento.

“Há uma confusão entre nutriente e alimento. As formas de alimentação nutricional tomam as pessoas do ponto de vista biológico, como animais. Alimentação é plantar, colher, preparar, compartilhar, conviver”, diz o sociólogo Carlos Alberto Dória, autor de “Formação da Culinária Brasileira”.

Para o antropólogo Ulisses Stelmastchuk, a comida é um elemento social total. “À mesa ocorrem todas as expressões da sociedade moderna”, diz o especialista em alimentação. “Comer é um ato natural que o homem foi cercando de simbolismos muito fortes.”

O filósofo francês Edgard Morin, diz Stelmastchuk, identifica esse passo como decisivo no processo de hominização. “E tudo isso diz respeito a uma questão antropológica muito básica: o desejo de fazer parte da coesão social de uma cultura.”

A comida, portanto, tem a capacidade de promover um ritual de adesão cultural e não está restrita à subsistência. Eis as palavras do dramaturgo francês Molière (1622-1673): “É preciso viver para comer, e não comer para viver”.

BANQUETAÇO

Quando: qui. (16), às 12h
Onde: em frente ao Theatro Municipal (pça. Ramos de Azevedo, s/n)
Quanto: grátis (2.000 porções compostas de petiscos, prato principal e sobremesa)

 

Folha Noroeste

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